Maternidade insana: Relato de uma mãe com hipotireoidismo

Vou começar dizendo o que mais ouvi quando descobri que tinha hipotireoismo: “Vida normal, querida. Não se preocupe“.  Essa definitivamente é uma daquelas frases que as pessoas te dizem para te acalmar. Mas para falar a verdade, quando você ouve a explicação de que o Hipotireoidismo é uma doença autoimune aonde seu corpo produz uma proteína que ataca o sua própria tireóide, é até confortável ouvir isso. Porque vamos combinar, né?! Entender que seu próprio corpo está jogando no time contra é meio difícil, né?

Para situar, eu não descobri o hipotireoidismo, minha mãe descobriu em mim. Em um desses dias em que sua mãe está dando aquela força com o bebê de poucos meses, ela me olhou e falou: “Minha filha, acho que você deve estar com hipotireoidismo, seu gogó está aumentado”. Eu olhei para minha mãe e pensei “Que viaaaagem, mãe…não é só meu gogó que está aumentado, eu estou TODA aumentada, eu engordei 16 quilos nos últimos meses”, mas disse que iria consultar um médico para deixá-la mais tranquila.

De noite, quando meu marido chegou em casa comentei a suspeita da minha mãe e ele disse que não acreditava que eu estava com a tireóide aumentada, mas que faria um pedido de exame de sangue para mim (ele é médico). Fiz o exame no outro dia, e o que o resultado indicou? Que mãe entende mais de suas filhas do que os maridos médicos. Se pudesse usar um termo não científico, eu poderia dizer que eu estava com “muita hipotireoidite”. Os níveis de produção de hormônios estavam malucos.

Marquei com a endocrinologista rapidamente, e quando ela me atendeu, levou um susto. Eu carregava comigo o título de resultado de exame mais absurdamente alterado de “Anti-TPO” que minha médica já havia visto em toda sua carreira de mais de 40 anos na endocrinologia. Além dos números elevados, chamava a atenção o fato de eu não sentir que estava com algum problema como o hipotireoidismo.

Você quer saber os sintomas mais comuns do hipotireoidismo? Aí vai:

  • Ganho de peso
  • Intestino preso
  • Menstruação irregular
  • Diminuição da memória
  • Cansaço excessivo
  • Dores musculares
  • Sonolência excessiva
  • Queda de cabelo
  • Depressão

Parece quase um checklist do período pós-parto, né? Quero dizer, existe alguma mãe nesse mundo que não “seja” cansada? “Cansaço excessivo” não é uma sensação que as mulheres sentem depois de ter filhos, é uma condição. É lógico que eu estava cansada, que meus cabelos caíam, que eu estava sonolenta o tempo inteiro, mas como saber que isso era um sintoma do hipotireoidismo e não do pós-parto?

Uma mulher no pós-parto fica cansada, inchada, sonolenta e muito mais. (Arquivo pessoal)
Uma mulher no pós-parto fica cansada, inchada, sonolenta e muito mais. (Arquivo pessoal)

Amiga, vou te contar. Não tinha e não tem como saber. E se nesse momento que você está se perguntando se você está com hipotireoidismo por causa disso, se acalme e procure minha mãe. Brincadeira! Se você está na dúvida, marque uma consulta, você precisa cuidar de você. Tem histórico familiar? Algumas pré-disposições podem favorecer o aparecimento do hipotireoidismo pós-parto ou o Hipotireoidismo de Hashinomoto, que depois de um ano de tratamento, descobriu que era meu caso. Então tire a dúvida.

Voltando ao caso, e aí, “vida normal” e sem preocupações? Basta tomar o remedinho todo dia na hora certa que está tudo beleza?

Não, não está tudo beleza. Quero dizer, eu continuo fazendo tudo que fazia antes, nada na minha vida mudou, mas lembra daquela questão que tem “uma coisa dentro de você trabalhando contra o bom funcionamento do seu corpo”? Então, depois de um tempo você percebe que além dessa “coisa” que te atrapalha, você também se atrapalha. Você se boicota diariamente quando não faz uma dieta saudável e nem cumpre uma rotina de exercícios. Você se boicota quando não cuida da mente e do coração e mergulha somente nas obrigações maternas esquecendo de você.

Uma coisa que ensinamos para nossos filhos é ter limites, mas a verdade é que nós mesmas brincamos de desafiar nossa saúde até que chegamos ou ultrapassamos esses limites. Não almoçar quase todos os dias para não atrasar a entrada na escola? AH, quê que tem. Dormir todo dia meia noite para colocar os uniformes para lavar e depois acordar às 06hrs da madrugada para fazer o lanche das crianças? Ah, eu dou conta. Carregar duas mochilas, duas merendeiras e o guarda-chuva? Fácil para mim, eu sou a super mãe.

Tudo isso é lindo, é poderoso e é digno de tirar o chapéu, mas se você não estiver com saúde para receber esse reconhecimento, não adianta nada. Suas costas estão doendo à meses e você não fez nada porque não quer atrapalhar a rotina dos filhos? Você bate no peito dizendo que seu dia-à-dia é tão pesado e frenético que não precisa de frequentar a academia? Bom, estou eu aqui para te contar que não é bem assim.

Depois dessa história toda do hipotireoidismo que eu nunca teria descoberto se não fosse minha mãe, veio um novo capítulo, daqueles de suspense e tensão.

Nas vésperas do carnaval eu acordei com o coração acelerado. Antigamente poderia dizer que era uma intuição, mas depois de algumas vivências, achei que era minha velha amiga ansiedade. Só que meu coração tava batendo “lá na garganta”, e descompassado. Comentei com meu marido à noite como se fosse uma coisa simples do dia. Ele parou, pegou meu pulso e começou a sentir. Toda vez que eu sentia o coração bater diferente, ele sentia no meu pulso e a expressão do rosto dele ia ficando diferente, preocupada.

No impulso mais típico de nós mães e mulheres, soltei a frase “aahhh, né nada não, daqui a pouco passa”. Ele me xingou por não ter ligado avisando e eu fiquei pensando quantas vezes já havia sentido aquilo antes sem dar a importância que ele estava dando naquele momento. Lembrei de como não dei atenção aos sintomas do hipotireoidismo, e fiquei preocupada. Dormi e acordei pensando nisso. Pesquisei na internet (quem não faz isso hoje em dia, hein diferentonas!) e a palavra “palpitação” deu nome ao meu sintoma. Junto com palpitação veio também arritmia, morte súbita, parada cardíaca e etc.

Marquei correndo uma consulta com a cardiologista e fui tremendo as pernas enquanto sentia o coração na boca. Coração esse que batia descompassado e com medo de ser algo grave. Eu já estava pensando como eu era frágil e tudo acontecida com a minha saúde. Já estava me xingando por estar sedentária e por todo o refrigerante que tomava semanalmente e os chocolates que escondia para comer sozinha.

O exame da consulta não constatou nada, e ela pediu que eu fizesse uma série de exames laboratoriais e físicos como o Holter e o ergométrico. Quando disse que tinha hipotireoidismo, ela me disse que poderia ser mais uma consequência do mau funcionamento da minha tireóide. OI? Cadê as pessoas me dizendo que a vida seria normal com hipotireoidismo? Normal era ter dor de barriga, febre, dor de cabeça. Seu coração pulsar na garganta não era normal pra mim.

E então, do carnaval para cá vim fazendo os exames, ficando maluca com cada batida diferente do meu coração e torcendo pelos resultados. Os primeiros foram os laboratoriais, que mostraram que a tireóide estava como esperado (maluca, mas sob controle), a vitamina D insuficiente, mas todo restante, uma belezura. Veio o exame da fisiologia do coração, tudo certo também.

Depois vieram os exames mais aguardados, o Holter 24 hrs e o ergométrico, e não deu outra. Várias palpitações riscavam o resultado do meu exame como se fosse meu filho de dois anos “escrevendo” o nome dele. Mas junto com o exame, veio também a resposta do médico.

Eu tinha extrassístoles ventriculares frequentes irregulares. Nome cumprido para poder dizer que era uma coisa relativamente simples, e muito associada ao sedentarismo e a ansiedade. Era ali a derradeira constatação de que viver às cegas desafiando a saúde era um péssimo negócio. Havia passado dias e dias pensando que eu tinha algo grave, ou que minha tireóide estava dando outro tiro no meu pé, mas ao invés de ser minha conhecida doença auto-imune me dando um golpe de dentro para fora, era eu e mesma me boicotando e vivendo no limite da minha saúde. Saúde essa que preciso para cuidar dos meus filhos e vê-los crescer. Foi ridículo, mas meu teste ergométrico não durou mais que oito minutos porque eu simplesmente não conseguia caminhar.

Então minhas amigas, depois dessa história toda, fica o alerta: AMEM VOCÊS MESMAS COMO A SEUS FILHOS. Esse amor é cíclico. Se você se ama e cuida de você mesma, está garantindo sua total presença na vida dos seus filhos enquanto Deus permitir. E se você ama seus filhos, significa que quer o melhor para eles, inclusive o melhor de você mesma.

Fiz um compromisso comigo de cuidar melhor de mim. Sei que esse compromisso nem deveria existir, mas a verdade é que as mães colocam várias prioridades à frente do bem-estar delas, e isso não pode acontecer em nenhum momento da vida, estando você grávida, no pós-parto ou correndo atrás dos seus filhos grandes.

Enquanto relatava tudo isso para vocês, meu coração continuou dando essas palpitações terríveis que contei, mas agora eu sei o que elas são, e como devo tratar. Não deixe que nenhum sintoma ou sensação passe desapercebido no seu corpo. Honre o corpo feminino que você tem. Ele é lindo, poderoso e merece respeito. Seu respeito.

 

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